segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A imagem de 2012


Penso ser esta esta foto de André Dusek/AE uma das que melhor sintetizam o que foi o ano de 2012 no Brasil. 
Como analisou Augusto de Franco, "A disposição corporal das duas pessoas. A (única) mão que aparece. O corte das bocas. Os semblantes.". 
Realmente, uma foto pode valer mais que mil palavras...




 Abaixo um excelente texto de Raul Maciel que descreve o "Mensalão" usando Kafka e Dostoiévski...

Jorge Ifraim

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Kafka envolvido no Mensalão


Iniciado no dia 2 de agosto o julgamento do Mensalão está na sua reta final. Foram muitas sessões – todas disponíveis no canal do Supremo Tribunal Federal (STF) no YouTube – e, contrariando muitas das expectativas de quando o escândalo do Mensalão estourou, muitos dos envolvidos irão mesmo “pagar” pelos seus crimes.

 

Em tempos de redes sociais é claro que esse julgamento acabou ganhando o seu espaço e dois Ministros do STF acabaram aparecendo com mais destaque que José Dirceu e outros acusados. Esses dois Ministros apareceram em várias imagens compartilhadas, principalmente pelo Facebook, e por razões opostas: por um lado, o Ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, ao votar pela condenação em quase todos os casos logo virou uma espécie de herói, ganhando o apelido de “Batman”, sendo a sua toga apontada como a capa do personagem Batman; por outro lado, o Ministro Ricardo , revisor do processo, caminhou na contramão da opinião pública ao votar pela absolvição diversas vezes, e acabou virando uma espécie de vilão.
Durante as várias sessões foram citados Chico Buarque, Cazuza e Fernando Pessoa. Os advogados de defesa também não economizaram termos ao se referirem às acusações: enquanto um disse que elas eram “fruto de criação mental do acusador”, outro preferiu dizer que se tratava de um “ilusionismo jurídico”. Criatividade não faltou e até os nomes de Rita e Carminha, da então novela das oito, foram citados. E Kafka também marcou presença!
No dia 3 de outubro, ao dar o seu voto sobre a acusação a José Genoíno, de corrupção ativa, Lewandowski afirmou que o Ministério Público não havia reunido provas contra Genoíno e então disse que “o réu viu-se obrigado a enfrentar a kafkiana tarefa de defender-se de acusações abstratas e impessoais” (o voto de Lewandowski pode ser conferido nesse vídeo – a referência a Kafka é a partir dos 28min). Com direito ainda a um “Quem não leu ‘O Processo’ de Kafka?”, Lewandowski votou pela absolvição de Genoíno. Mas parece que os demais Ministros não viram assim tanta semelhança entre a situação de José Genoíno e a de e votaram pela condenação.
Antes disso Kafka já havia aparecido pelas sessões do julgamento do Mensalão. O advogado de Ayanna Tenório disse que a acusação a ela era kafkiana. “Rigorosamente nenhuma conduta é imputada a Ayanna. Nenhuma conduta”. Ayanna foi absolvida das três acusações.

 

Temos ainda muitos outros casos. O já aposentado ministro Eros Grau também recorreu ao termo em 2005. O Ministro Marco Aurélio Mello já usou a expressão algumas vezes, sendo uma delas durante uma sessão referente à Operação Furacão (nome dado à operação montada entre 2006 e 2007 para investigar um esquema de exploração e favorecimento de jogos ilegais – cujo resultado foi a prisão de bicheiros e empresários, além de magistrados e policiais envolvidos). E estes são apenas alguns exemplos entre os que eu consegui identificar. O melhor exemplo talvez venha de José Sarney: mais de uma vez ele já declarou se sentir como uma vítima de um processo .

 

Mas o que é que Kafka tem a ver com o Mensalão e o que é uma situação ou um processo kafkiano? Uma das definições de “kafkiano” de acordo com o Dicionário Houaiss é: “que, de forma semelhante à obra de Kafka, evoca uma atmosfera de pesadelo, de absurdo, especialmente em um contexto burocrático que escapa a qualquer lógica ou racionalidade”. Para quem leu as obras de Kafka (“O Processo”, “A Metamorfose” e “O Castelo” principalmente, mas também os seus diversos contos) fica fácil compreender o significado; e para quem ainda não leu eu deixarei as coisas um pouco mais claras.
(Para ajudar a compreensão do termo, coloco aqui um trecho do livro “Cronistas do absurdo: Kafka, Büchner, Brecht, Ionesco”, de Leo Gilson Ribeiro: “No cosmos kafkiano tudo é possível, o medonho, o absurdo, a loucura, a crueldade, a injustiça – ou a justiça que nós seres humanos não podemos compreender – estão sempre latentes, vigiando-nos, à espreita do nosso primeiro momento de distração para saltar sobre nós, suas presas indefesas.”)
Essa referência a Kafka, que é feita não raramente no meio jurídico, é baseada principalmente no livro “O Processo”, que ele começou a escrever em 1914 e que foi publicado apenas postumamente, em 1925.
Trata-se da história de Josef K., que no dia do seu aniversário de 30 anos acorda com a entrada de um homem em seu quarto. O livro começa com a frase “Alguém certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum.” e já no primeiro capítulo ele se esforça para tentar arrancar dos guardas alguma resposta: qual o motivo que os levara ali?, qual o motivo para ele ser detido?, do que ele estava sendo acusado?, quem o estava acusando? Tudo em vão.
Kafka escreveu os capítulos de maneira separada. Às vezes começava um capítulo sem ter terminado o anterior (e o fazia ora no mesmo caderno, ora em cadernos diferentes) e alguns capítulos não foram terminados. Os textos Kafka entregou ao seu amigo Max Brod, que em vez de atender ao pedido do amigo e queimar os seus manuscritos, preferiu publicá-los. Hoje se percebe muitos erros na ordem dos capítulos estabelecida pela edição publicada por Max Brod. Mas o interessante é que isso não altera substancialmente a leitura d’“ O Processo”: os capítulos não estão ligados sucessivamente, não há uma ordem exata da história. Ou seja: não é necessária uma construção correta e sequenciada dos capítulos para que a história se resolva como tem que ser simplesmente pelo fato de que a história não tem uma resolução como seria de se esperar


 

Josef K. se vê então sofrendo um processo sobre o qual nada sabe, tendo que comparecer ao Tribunal e tentando se defender sem saber exatamente do quê e tendo a certeza de não ter infringido as leis (as quais ele não conhece e às quais ele não tem acesso). Os funcionários – e, em consequência, todo o sistema que o julga – diversas vezes se demonstram propensos à corrupção e entregues à ineficiência. A tensão que marca cada passo de K. é impressionante principalmente pelo fato de o processo não ser esclarecido ao longo do livro.
Kafka era formado em Direito e trabalhou anos para uma companhia de seguros contra acidentes de trabalho, e a partir disso é fácil perceber que a burocracia (tão marcante n’”O Processo”) era característica comum na vida de Kafka. Mas o que não quer dizer que o livro seja um reflexo da sua vida – como “A Metamorfose” e os demais textos dele, este livro tem diversas interpretações (teológicas, políticas, psicanalíticas, entre outras) e seria um grande erro querer analisá-lo do ponto de vista do caráter biográfico.
Muitos especialistas identificam neste livro uma clara e direta relação com “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, e uma grande semelhança no modo como Raskólhnikov e Josef K. lidam com a culpa que lhes é atribuída. Há uma importante diferença, porém: o personagem dostoiesvskiano comete um crime e é, portanto, ciente da sua culpa; enquanto o personagem kafkiano não tem culpa – pelo menos é o que ele alega – e não sabe por qual motivo está sofrendo um processo.
Entende agora o que o advogado de Ayanna Tenório quis dizer quando afirmou que a acusação a ela era kafkiana? É possível ver em “O Processo” uma inversão na lógica de “era culpado, por isso foi punido” para um ilógico “foi punido, então era culpado”. O princípio de que todos são inocentes até provem o contrário já não parece tão certo n’”O Processo” e Josef K. é empurrado (ou será que ele se atira?) para esse caminho da culpa. É assim, portanto, que podemos compreender quando Lewandowski disse que “o réu viu-se obrigado a enfrentar a kafkiana tarefa de defender-se de acusações abstratas e impessoais”, pois essa “kafkiana tarefa” é o que Josef K. enfrenta de uma maneira que me parece a mais angustiante possível.
E se você ainda não leu “O Processo”, mas agora pretende fazê-lo o mais breve possível, então eu te desejo uma boa leitura kafkiana.


Buscas: iw livroseafins com josef-k, kafka với cuộc chiến chống phi lý


Um comentário:

  1. Roberto Gurgel e Carlos Ayres Britto são os responsáveis pela denúncia e acolhimento da denúncia do Mensalão!
    Joaquim Barbosa é criação do grande estrategista José Dirceu e afilhado do LULA, de triste lembrança. Joga para as arquibancadas! É o regra 3 para a Presidência do Brasil, no caso de o PT perder força! Leiam o blog do José Dirceu, ele não faz nenhuma critica ao Joaquim Barbosa, só o Supremo. Por que, Joaquim, o moralizador, não moraliza o Poder Judiciário, tão corrupto quanto os demais Poderes?

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